As vacinas têm aberto o caminho para a recuperação mundial da COVID-19. Como esse tema tem sido cada vez mais central e relevante a nível mundial, esse artigo busca responder algumas das principais questões sobre as vacinas para a COVID-19.
Como as vacinas são desenvolvidas?
Atualmente, vacinas podem ser desenvolvidas por diferentes técnicas. Quatro destas técnicas são:
Vacina de vírus atenuado ou inativo: Esse método tradicional utiliza o patógeno morto, inativo ou fragmentado para induzir uma resposta imune no corpo, de maneira que o vírus, do modo como estiver, não seja capaz de causar uma infecção no organismo. Este é o método mais barato de se produzir vacinas hoje em dia (Krause et al, 2020).
Vacina de RNA: Este método usa moléculas genéticas que codificam a síntese de uma proteína específica do patógeno. No caso da COVID-19 e de outras doenças, a proteína utilizada é a proteína spike (“espeto”, em inglês), presente na superfície do patógeno. Quando o corpo reconhece esta proteína, ele produz anticorpos específicos para neutralizar o vírus, provendo imunidade ao organismo. Esse método levou décadas para ser desenvolvido devido a diversos empecilhos de caráter biotecnológicos e devido aos alto custos com pesquisa, materiais, armazenamento – pois a molécula de RNA é bastante instável e, portanto, deve ser mantida a temperaturas baixas (usualmente abaixo de 30º C) (Jackson et al., 2020).
Vacina de vetor viral não replicante: Este método usa uma variante do vírus que não é capaz de se replicar após infectar um indivíduo (WHO, 2021).
Vacina de subunidade proteica: Esse método também utiliza a proteína spike. Como há apenas proteínas ou cadeias peptídicas do vírus, não há possibilidade de desencadeamento de infecção, visto que os pedaços do patógeno não são capazes de infectar as células do hospedeiro. Como este método, em geral, desencadeia respostas imunes mais brandas, estas vacinas geralmente possuem um agente químico chamado de adjuvante, desenvolvido para aprimorar a resposta imune (Medhi, 2020) (CEPI, 2020).
Eficácia e nível de avanço das vacinas
A pandemia forneceu ao mundo uma excelente oportunidade para que os desafios na elaboração de vacinas fossem investigados com mais rigor e superados. As vacinas de RNA têm maior eficácia do que as demais, mas são, usualmente, mais caras, devido aos custos de reagentes e às condições de armazenamento necessárias para que as moléculas de RNA não se deteriorem. Além disso, a maioria delas precisa ser administrada em duas doses – com seus determinados intervalos de tempo – para que a resposta imune gerada seja adequada. Vacinas deste tipo já estão sendo utilizadas em vários países pelo globo. Sua ampla utilização pode favorecer vários avanços no desenvolvimento de vacinas para outras doenças, como, por exemplo, o câncer e a esclerose múltipla (Jackson et al., 2020).
Como são realizados os experimentos sobre vacinas?
A produção de vacinas envolve uma série de passos, incluindo regulações, leis, testes e grandes infraestruturas.
Vários testes são realizados para ajustar o princípio ativo – ou seja, o componente que deve exercer o efeito da vacina desejado no indivíduo. Na sequência, são realizados testes para avaliar a eficácia e a segurança da vacina. Na fase de estudos pré-clínicos, os testes são feitos in vitro (isto é, fora de organismos vivos) e/ou com o uso de animais (normalmente camundongos, coelhos ou macacos) (Fiocruz, 2020).
As quatro fases de teste
Durante a fase 1, a vacina é testada em humanos e testes de segurança são realizados. Já a fase 2 avalia a eficácia e os possíveis efeitos colaterais da vacina, enquanto a fase 3 é voltada a eficiência, eficácia e testes de segurança, sempre com um grupo maior de voluntários participando do estudo a cada fase. Concluída esta fase, a vacina é liberada para ampla comercialização e distribuição. A fase 4 consiste no monitoramento da implementação da vacina em larga escala para que se identifiquem efeitos colaterais e outros fatores que precisem ser revisados. Como mencionado, cada fase requer um número maior de voluntários, começando com algumas dezenas na fase 1 e aumentando para milhares (ou milhões) nas fases subsequentes (Fiocruz, 2020).
Como desenvolveram uma vacina tão rapidamente? Normalmente não se levam anos?
Há múltiplas razões para a velocidade com a qual a vacina da COVOD-19 foi desenvolvida. Conhecimento prévio: Pesquisadores puderam utilizar como base de conhecimento uma outra espécie de coronavírus, que causa a doença conhecida como Síndrome Respiratória do Oriente Médio (“Middle East Respiratory Syndrome“, MERS), o que permitiu a eles compreenderem como o vírus da COVID-19 infecta as células apenas duas semanas após a eclosão da pandemia (NIH).
Novas tecnologias: Quando o SARS-CoV-2 (COVID-19 é o nome apenas da doença, enquanto este é o nome da espécie que a causa) foi descoberto, a tecnologia de RNA mensageiro já estava significativamente avançada para o uso em pesquisas de vacinas. A pandemia da COVID-19 possibilitou o desenvolvimento desta tecnologia devido aos grandes investimentos financeiros disponibilizados para ela.
Recursos financeiros: a COVID-19 exigiu uma resposta global, inclusive de investidores em pesquisa e desenvolvimento de vacinas.
Então, se já há vacinas prontas para ampla utilização, o que vem agora?
Uma vez que as vacinas estejam disponíveis para inoculação em massa, elas são envasadas, rotuladas e armazenadas. Antes de serem distribuídas, cada vacina precisa ser autorizada pelas agências sanitárias regulatórias de cada território, ou órgão equivalente. Em alguns países, essa autorização é dispensada se condições impostas por legislações locais forem contempladas. O Brasil, por exemplo, instituiu a Lei da COVID, que dá à Anvisa 72 horas para aprovar uma vacina que tenha sido aprovada pelas agências regulatórias da Europa (European Medicines Agency, “Agência Europeia de Medicamentos” – EMA), Estados Unidos (Food and Drug Administration, “Administração de Alimentos e Medicamentos” – FDA), Japão (Pharmaceuticals and Medical Devices Agency, ”Agência de Produtos Farmacêuticos e Equipamentos Médicos” – PMDA) ou China (National Medical Products Administration, “Administração Nacional de Produtos Médicos” – NMPA). Depois de exaurido esse período, autorização para a vacina em questão deve ser dada pelo Estado independentemente da agência de regulamentação brasileira (Lei da COVID, 2020).
O que faz com que a distribuição de vacinas seja tão complicada?
Há diversos ângulos para se analisar nessa questão e, deste modo, iremos considerar alguns importantes pontos neste artigo. Um deles é o aspecto legal, especialmente relacionado à Organização Mundial do Comércio (“World Trade Organization”, WTO). Outro lado é a COVAX, iniciativa da ONU para acelerar o desenvolvimento e a produção de vacinas, além de garantir acesso justo e equitativo para todos os países do globo. Uma última perspectiva a ser mencionada é a humanitária, focada em garantir inovação e know-how para países de baixa e média renda (“low and middle-income countries” – LMICs).
Inclusive, para países de baixa e média renda, há imensos desafios técnicos para que produzam de modo autônomo vacinas de RNAm para a COVID-19 e também complexidades logísticas (estando algumas delas destacadas no seguinte artigo: Critical Vaccine Delivery: A Challenge for the Global South).
O novo diretor-geral da WTO, Dr Ngozi Okonjo-Iweala, tem pedido que os membros da organização trabalhem para intensificar a cooperação para tratamentos, métodos de diagnósticos e vacinas mais promissores da COVID-19 – um passo acertado no caminho para a vitória sobre a pandemia. A Iniciativa COVAX tem potencial para construir lações de solidariedade para a entrega rápida e acessível de vacinas para os países mais pobres já que, infelizmente, muitos não podem custear as vacinas mais caras e, simultaneamente, não possuem tecnologia para desenvolvê-las em seus territórios (WTO, 2021).
“A distribuição equitativa agora está em nossas mãos”, disse o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, em 17 de março, após a organização comunicar um chamado para o licenciamento de voluntários, apoiado pela iniciativa Grupo de Acesso à Tecnologia da COVID-19 (um movimento da própria OMS, do qual o Brasil faz parte desde 2020) e por meio do fornecimento temporariamente isento de propriedades intelectuais de novos conhecimentos sobre o novo coronavírus.
Promover a transferência de conhecimento e tecnologia entre países desenvolvidos e entre países em desenvolvimento e subdesenvolvidos é crucial para além da pandemia da COVID-19, uma vez que tais países são atingidos por diversas outras doenças e questões de saúde que hoje já possuem tratamento e cura. Um exemplo de caso de sucesso nesse sentido é o Instituto de Uganda de Pesquisa sobre Vírus, que vem trabalhando conjuntamente com o Imperial College, de Londres, e com o NHS (maior site em saúde do Reino Unido, contabilizando mais de 50 milhões de acesso por mês) para o desenvolvimento de um modelo autossustentável de produção de vacinas de RNA para países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, de modo a criar uma plataforma de rápida resposta a novas infecções emergentes (Imperial, 2021). No entanto, iniciativas como essa são ainda escassas e, portanto, necessitam de maior incentivo financeiro, logístico e político.
29 de abril de 2021
Por Ana Clara De Queiroz
Public Health Pathways redatora, bióloga e professora em Brasília, Brasil.
Publicado originalmente em inglês em 19 de março de 2021.